Este será, provavelmente, o post mais longo da história do Lemniscata. Não gosto de textos maçudos mas, neste caso, o tema surgiu pela pertinência da afirmação que a minha cara leitora
Pandolet fez na caixa de comentários:
"PS: se respeitas a vida e as energias dos objectos, não devias incentivar ao uso de coisas em pele ;)"
Realmente, este é um tema com muitas implicações e, se por um lado, já tenho evitado discussões sobre vegetarianismo (porque quase sempre descambam numa guerra campal, muito à moda dos Homo sapiens), por outro lado acho que esta é uma excelente oportunidade para partilhar o que penso sobre o assunto e, talvez, trazer a lume algumas considerações que muitas vezes passam ao lado.
Antes de mais, começo por esclarecer que não sou vegetariana - já fui mas deixei de ser. Como e porquê? Vou tentar explicar...
Há uns anos deixei de comer animais porque achei que, pelo facto de ter inteligência suficiente para sobreviver sem ter de os sacrificar, estaria numa posição de obrigação moral em tornar-me vegetariana. Mais tarde não pude deixar de admitir que também as plantas são seres vivos e Herdeiras da Terra, tal como os animais. Aliás, que as plantas também estão vivas é o eterno argumento dos "comedores de carne" quando se discute este assunto - e é inegável. O facto de elas não terem sistema nervoso central, torna-as menos merecedoras de consideração? Não! Efectivamente, se existem seres que eu devo respeitar e estimar, são as plantas: a sua pureza é inigualável e são elas que produzem nada menos que o oxigénio de que nós, animais, precisamos para viver.
Restou-me reconhecer que era "tapar o sol com a peneira"... Enquanto animal que sou, tenho de me alimentar - é a lei da natureza. Também reconheci que tenho dois pares de dentes caninos dentro da boca, como é próprio dos predadores. E também sei que foi o consumo de proteínas animais que permitiu aos primeiros hominídeos desenvolverem um cérebro mais complexo (fenómeno esse que fez de nós a espécie mais espatafúrdia de toda a criação, mas isso já é outro assunto). Segue-se que respeitar a natureza e a vida, não passa por negar o estado das coisas - suportar a própria vida com o sacrifício de outros seres viventes é a nossa condição.
Assim sendo, desisti do vegetarianismo e adoptei um outro sistema que me pareceu mais lógico. Como carne e peixe de um modo que considero equilibrado - uma ou duas vezes por semana - e desaprovo a forma desmesurada com que, actualmente, se faz criação de animais para abate e se consome os seus produtos. Este consumo desenfreado é o outro extremo - outro absurdo...
No tempo em que os Homo sapiens ainda viviam com a Terra, caçava-se um animal (ou, mais tarde, abatia-se um animal criado para isso) e toda a família se alimentava dele por um longo período de tempo. Todas as partes do animal eram aproveitadas, desde a carne, às vísceras, aos ossos, dentes, unhas, pele ou penas - não havia desperdício. Habitualmente, o acto da caça (ou da matança) era ocasião para rituais, celebrações e outras formas de prestar homenagem à vida (à nossa sobrevivência) e ao animal que era sacrificado - da mesma forma que também se faziam rituais, oferendas, etc. pelas colheitas. Na origem, ainda não se tinha perdido a noção das coisas - o sacrifício de uma vida não era tomado de ânimo leve, de tal modo que muitas das antigas divindades eram zoomórficas, pois existia a sabedoria da Terra e os animais, bem como todos os seres, eram devidamente respeitados.
Hoje tudo é facilidade e desperdício, tudo tem um preço e as economias de mercado parecem permitir todos os atropelos. Infelizmente não posso impedir que o dinheiro mova o mundo e também não posso jogar com as cartas que gostaria de ter - apenas com as que tenho nas mãos. Não posso impedir que se continuem a criar animais e a abatê-los industrialmente para alimentar uma população humana excessivamente densa e ávida de luxos, sacrificando o meio-ambiente, as outras espécies e a própria saúde. A dada altura da minha vida cheguei a servir às mesas e, o que mais me impressionou nessa experiência foi constatar a quantidade imensa de comida que fica nos pratos e que vai para o lixo... Por vezes, ainda ouvimos as mães falar às crianças dos "pobrezinhos que não têm o que comer" sem que ninguém se aperceba que é igualmente grave o facto de termos pactuado na morte de um ser e essa morte ter sido em vão.
Pegando, finalmente, nas peças de artesanato feitas em pele e que deram o mote a este post... Elas são feitas a partir de pele de vaca - das mesmas vacas que, raramente, fazem parte da minha dieta. Têm sido o resultado da reciclagem de umas velhas calças de motard que me foram oferecidas por uma amiga. Curiosamente, já são uma reciclagem em segundo grau pois a minha amiga recebeu-as de alguém que as ia deitar fora. Apesar de não lhe servirem, ficou com elas por pena do desperdício e mais tarde lembrou-se de mas trazer para que eu as transformasse em algo útil.
Desde então tenho desenhado peças maiores e mais pequenas, de modo a aproveitar ao máximo o material e sem nunca me esquecer de quão especial ele é... da mesma forma que faço questão de nunca deixar restos no prato à hora da refeição.
Posto isto, penso que se torna claro que não incentivo o "uso de peles" mas sim o total aproveitamento dos recursos que a nossa espécie retira do planeta. Se dependesse de mim, essa extracção seria muito mais regrada mas... como não posso agir em nome da Humanidade faço pelo menos a minha parte e incentivo seriamente a que toda a gente faça o mesmo, a saber:
- Reduzir o consumo de produtos animais
- Reduzir substancialmente a produção de lixo orgânico
- Reduzir o consumo de água e apoveitar, sempre que possível, a água da chuva
- Reutilizar e reciclar por si mesmo todos os materiais possíveis
- Depositar nos ecopontos todos os recicláveis que não possam ser transformados em casa
- Ter plantas (sabiam que apenas 1 vaso renova o oxigénio de uma sala de 15m2 num dia?)
- Limitar o uso de produtos químicos
- Dar preferência a produtos biodegradáveis
- Dar preferência a produtos feitos a partir de reciclagem
- Aprender a cozinhar, a costurar e a cultivar